Confesso que tive medo de perder aquela dor. Por anos eu me resumi àquela pontada segura entre o peito, sem ela o que seria de mim...?
toda noite a certeza de que esse cancer iria me acolher na cama, e iria me envolver com seus braços crueis, mas..eu nao mais dormiria sozinha.. Pela manhã o beijo amargo da dor de existir, latente, pulsante, exibia diante dos meus olhos meu fracasso presente nas minimas açoes do meu cotidiano. Tive medo de perdê-a. por mais insano que isso possa parecer, ela era a unica que respirava comigo no meu terror de viver; ela me alimentava, suprindo-me com lágrimas de fel, ácidas, misturadas com o prazer de sofrer, choramingando compulsivamente no escuro, abraçada com minhas pernas contra o meu corpo. Um feto. um Ser. um Só.
tive medo de nao mais ser eu se ela se desprendesse de mim.
Quase morro como em uma mesa de operaçao ao sentí-la se desprendendo do meu peito, se despedindo da minha mente,dessaraigando-se dos meus pensamentos, soltando-se lentamente da minha vida. como um suspiro repentino de um asmatico que encontra uma fina camada de ar para se segurar.
e eu... eu tive medo de perdê-la. Apesar de saber que tavez tudo seria melhor sem ela, eu seria novamente um recem-nascido, aprendendo a sentar, a falar , a calar, a sorrir com ou sem razao, eu teria que dar novamente primeiros passos, e pra falar a verdade, eu ate ansiava pelos primeiros tombos na esperança dela voltar pra mim..
eu tive medo de perdê-la;
hoje já respiro ar como um presente. e nao apenas como uma casualidade...
Enfim entendi que a vida nao foi feita pra se morrer todo dia.
quem sabe um dia ela volte e encontre um eu diferente.