terça-feira, 27 de outubro de 2009

Somática.

Do todo que me fere fica então a epiderme latejante gritando por explicações. Tento suavizar as setas flamejantes que atingem minha fortaleza de papel, que construí com minhas próprias mãos, e ressentimentos. Da cor que cega os olhos, dos gritos guardados no travesseiro, do espanto diante da realidade e dos olhos cansados demais, fica a lembrança desbotada e alguns soluços intermitentes. Não caibo mais em minha pele, não reconheço minha voz, e quando caminho na frente do espelho vejo resquícios e saudades do que não vivi, reminiscências amputadas pela sofreguidão impaciente de uma ansiedade tão minha...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

hermética.

Acordara de um sonho estranho, nua, abria os olhos sem vontade, espreguiçava o corpo sem entender para quê e bocejava a saudade da possibilidade da letargia momentânea. Quando sentiu o frio dos azulejos despertarem seus pelos e poros, decidiu vestir a sua existência, mesmo esquálida e lânguida, e enfrentar mais uma vez o dia, que já surgia na sua janela delatando suas imperfeições. No chuveiro sentia os pingos lavarem os pensamentos absurdos que por pouco não a deixaram dormir... Em dias como esses (sim, já vinham em plural) suas roupas pareciam pesar, o tecido, a costura, as marcas, tudo carregava em si um saber patético e irreal que não lhe servia de nada.
Respirava tentando dilatar a vida dentro dos pulmões e caminhava olhando para os pés para ter certeza que ainda sabiam o que fazer. Normalmente não gostava de sapatos, pareciam camuflar os desejos de onde gostaria realmente de ir, mas na falta de desejos, caminhava por aleatoriedades, a única razão que latejava em suas solas, esperança no acaso.
Mesmo com um gosto amargo de rotina na língua comia tentando abastecer-se de proteínas e carboidratos que alguém um dia lhe disse necessário. Não entendia bem o porque de tanta variedade, tudo aquilo só tinha um porquê, que era lhe manter em pé, mesmo que preferindo as horas que passava horizontalmente na cama.
Já quase não usava palavras, mas constantemente se perguntava para onde iam os sonhos falidos, onde se encontrava o cemitério dos segredos que se perdiam no ar? Não encontrava resposta, ou vontade de procurar, deixava seus braços doloridos gesticularem apenas o indispensável, seus olhos contentarem-se apenas com as proximidades, e seu coração com as batidas suficientes para enfrentar o sol castigador.
Passavam-se os dias, dormiam-se as noites, e o seu corpo parecia diminuir. Falta de uso? Falta de vontade? Falta de fazer falta para alguém?
Aonde será que medem a dimensão da existência? Já não conhecia o tamanho real de seus membros. Muito menos o tom de sua voz. Quando voltava pra casa no fim do expediente, já respirava com dificuldade, e as estrelas sempre surgiam com olhares inquisitórios, tudo era pesado demais, adormecia abraçada com o resto de realidade que conhecia, não gostava de sonhos e abstrações, preferia passar pela noite sem absurdos oníricos. A concretude trazia uma falsa segurança que sussurrava determinações com prazo de validade. Já quase paralítica, fechava-se ainda mais com medo de se lançar no sonho estranho de todo dia, onde se via com asas e um sorriso desconhecido nos lábios.